Washington Olivetto
Na publicidade, quando alguém quer copiar alguma coisa, mas pretende emprestar um pouquinho de dignidade a esse gesto, diz que está seguindo uma tendência. Isso faz com que publicidade de boa qualidade acabe gerando, sem querer, publicidade de péssima qualidade.
Um exemplo: os outdoors com apliques.
Participei da criação do primeiro deles anos atrás, na DPZ. Francesc Petit e eu estávamos lançando o produto Chancy, da Chambourcy. Criamos um comercial que mostrava um menino andando pelas ruas. De repente, ele via um outdoor com um pote de Chancy delicioso. Subia no outdoor, pegava a colherona que estava dentro do pote e comia o produto. Nada mais natural que, depois de o filme já conhecido, fizéssemos um outdoor com o garoto montado lá em cima. A peça foi um grande sucesso. Tão grande que, de lá para cá, surgiram milhares de outdoors (pouquíssimos bons) com apliques. Vira e mexe, falta uma boa idéia para um outdoor, e alguém coloca um aplique. Na verdade, um aplique no cliente. São aqueles outdoors em que fica claro que o marceneiro é melhor que o redator e o diretor de arte.
Outro exemplo: os fundos de anúncio com cores berrantes que o Marcello Serpa andou usando com extrema pertinência e que de repente começaram a surgir numa porção de anúncios sem razão nenhuma, no máximo conseguindo atrapalhar a mensagem ou disfarçar a falta dela.
O mesmo, aliás, ocorreu com algumas tipografias diferenciadas que o Jarbas Agnelli inventou de usar em layouts perfeitos como os de Hyundai ou da campanha Sede É Soda e que agora já enfeitam ou decoram uma série de anúncios que não tem a mínima razão para receber aquela tipografia.
Outra aberração que tem ocorrido com freqüência são as campanhas que, em vez de venderem o produto, vendem a categoria do produto.
São campanhas nas quais se vende “andar de carro” em vez da marca do carro que está pagando o anúncio, “beber água” em vez do engarrafador daquela água, e assim por diante.
Fazer propaganda assim é fácil e pode até ser adequado em países que estão no seu primeiro estágio de consumo, onde a primeira função da propaganda é comunicar que aquela categoria de produto agora existe.
Não é o caso do Brasil, um país que, apesar dos seus inúmeros problemas de distribuição de renda, conta com um marketing extremamente sofisticado e uma competição bastante acirrada entre marcas há muitos e muitos anos.
Enfim, são inúmeros os casos em que se confunde publicidade “criativosa” com criativa, mas mais importante do que ficar denunciando o fato de essas aberrações existirem é tentar descobrir por que elas existem.
Talvez uma explicação seja o fato de muitos publicitários consumirem como informação mais publicidade do que vida real e a partir daí começarem a colocar publicidade em vez de vida nos seus trabalhos. Talvez também o fato de os publicitários conviverem exageradamente com outros publicitários, o que explica, inclusive, o grande número de campanhas que falam da própria propaganda, desconhecendo frontalmente o consumidor. Por isso, defendo loucamente que qualquer campanha publicitária tem a obrigação de falar a linguagem do produto, do público e do país onde ela está sendo veiculada. Por isso, luto para que os festivais tenham apenas peças que foram veiculadas e chegou até a enxergar como mérito quando uma peça que foi brilhante junto ao consumidor do seu país não é premiada por falta de entendimento do contexto por parte dos jurados internacionais.
A praga da publicidade fantasma, criada apenas para festivais, tem atrapalhado o desenvolvimento da publicidade de verdade em todo o mundo e ajudado a implantar picaretagens apelidadas de “tendências”.
Outro dia mesmo fui visitado por um simpático e talentoso representante da propaganda sueca que estava de passagem pelo Brasil. Ele me mostrou um rolo de comerciais que deixava claro que a publicidade nórdica está progredindo muito, mas, no meio deles, um comercial me causou estranheza.
Trata-se de um filme em que um sueco acorda de porre, pega uma guitarra e começa a compor um blues desesperado, como é bastante comum na cultura e nos comerciais ingleses.
Como nós sabemos, suecos fazem muitas coisas, mas não compõem blues pelas manhãs.
Na verdade, a minha estranheza tinha uma explicação: o comercial era, literalmente, para inglês ver. Em festivais.
Fonte: Folha de São Paulo – 03 de abril de 1995